DESENVOLVIMENTO URBANO SUSTENTÁVEL E EQUIDADE – desafios e possibilidades para o enfrentamento de desigualdades socioespaciais

Resumo: O Século XX assistiu a uma explosão demográfica e expansão urbana sem precedentes. Em poucas décadas cidades dobraram, triplicaram sua população, tendo que enfrentar diversos desafios sociais, econômicos, urbanos, ambientais. Grandes transformações tecnológicas também transformaram a forma de comunicação e movimentação espacial, encurtando distâncias e tempo. Processos migratórios nacionais e internacionais aumentaram os desafios urbanos e temos enfrentado o agravamento de diversos problemas sociais, econômicos, urbanos e ambientais. O envelhecimento da população mundial traz um novo desafio, especialmente no caso brasileiro e de outros países emergentes, por se tratar de uma novidade. Até então o Brasil era um país do futuro, um país com muitas crianças, adolescentes e jovens.
Se por um lado o Brasil conseguiu aumentar a cobertura de serviços básicos de saneamento, energia, transporte, saúde, educação, por outro, não conseguiu vencer suas desigualdades regionais nem as intraurbanas, ao contrário, observou-se seu agravamento. Segue sendo um país de enormes desigualdades econômicas, sociais e ambientais, que se refletem espacialmente, numa visível desigualdade socioespacial.
Nesse contexto, convém destacar as ideias de igualdade e equidade. Segundo o Dicionário Aurélio, o termo igualdade significa “qualidade ou estado de igual”. Sendo o país, os bairros e as cidades desiguais, orientar estudos e políticas pelo senso da igualdade pode gerar agravamento dos problemas e desigualdades e o mesmo tratamento for dado a territórios e grupos diferentes. A busca pela igualdade de condições requer tratamento diferente aos diferentes para que se alcance maior igualdade. Neste sentido, o conceito de equidade vem se mostrar como o caminho para o enfrentamento das desigualdades. O Dicionário Aurélio defini equidade como “disposição de reconhecer igualmente o direito de cada um; justiça”. Isso traz uma mudança importante para nortear políticas públicas e o próprio desenvolvimento.
O reconhecimento dos direitos iguais deve ser somado ao reconhecimento das diferenças, de modo que para que haja justiça é necessário que todos os territórios e grupos recebam atenção, mas não necessariamente possuirão as mesmas necessidades e demandas. Logo, as ações de enfrentamento – em termos de infraestrutura, de serviços e de políticas – devem ser adequadas às diferentes necessidades, com atenção maior às desigualdades e vulnerabilidades. Tal entendimento e cuidado há muito tempo rege as políticas de saúde pública brasileira e o Sistema único de Saúde (SUS), reconhecendo as diferenças nas condições de vida e saúde e nas necessidades das pessoas, considerando que o direito á saúde passa pelas diferenças sociais. A importância de aplicação do conceito de equidade na construção das políticas públicas: traz a possiblidade de reconhecer as diferenças tanto culturais, regionais e sociais. Em um país como o Brasil, tão desigual, a adoção do conceito de equidade é o caminho para trabalhar pela diminuição das desigualdades urbanas.
No que tange ao processo de urbanização brasileira, pode-se afirmar que o crescimento urbano na lógica do automóvel e do maior lucro sobre o território levou à dispersão urbana, sacrificando a qualidade de vida nas cidades, na medida em que imputou suburbanização, grandes deslocamentos, supressão de áreas naturais, carência de espaços livres públicos para lazer e esporte, agravamento da segregação socioespacial, déficit habitacional, ociosidade de imóveis urbanos, problemas de produção de alimentos, poluição dos corpos hídricos, escassez de água, poluição atmosférica, formação de ilhas de calor, suscetibilidade a alagamentos, inundações e deslizamentos de terra, ocupação em áreas de risco, dentre outros problemas a serem enfrentados, como a própria perda da sociabilidade urbana.
O agravamento dos problemas urbanos e ambientais fez com que a ONU no início da década de 80 desse especial atenção às questões ambientais, encarregando a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento de desenvolver estudos, que culminaram no Relatório Brundtland, denominado Nosso Futuro Comum (Our Commom Future), concluído em 1987. A questão central do relatório era o crescimento das cidades, em particular das grandes cidades, seu inchaço populacional, a sobrecarga da infraestrutura urbana, a falta de empregos, o déficit de moradia e o agravamento dos problemas ambientais. Salientava também o problema das estratégias nacionais, sobretudo no Terceiro Mundo, que acabavam estimulando o crescimento polarizado de cidades, através de políticas setoriais de transporte, saúde, educação, infraestrutura e equipamentos urbanos nas grandes cidades, em vez de aplicar políticas inibidoras para as grandes cidades e estimuladoras para os centros médios e pequenos. Apresentava uma crítica ao modelo de desenvolvimento dos países industrializados e sua reprodução pelos países em desenvolvimento, às custas da sobrecarga aos recursos naturais. Apontava uma incompatibilidade entre desenvolvimento sustentável e os padrões de produção e consumo dos últimos 50 anos, na época do relatório. A alternativa seria “promover melhor o desenvolvimento dos centros urbanos pequenos e médios, o fortalecimento dos governos locais e estabelecimento dos serviços e instalações necessários para atrair investimentos e iniciativas com vistas ao desenvolvimento” (CMMAD, 1991).
Entendeu-se que não seria possível pensar em um desenvolvimento apenas do ponto de vista econômico, era necessário que viesse acompanhado do desenvolvimento social e do cuidado ambiental. Surgiu a noção de desenvolvimento sustentável, entendido como “o desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades”. O relatório recomendava medias a serem tomadas pelos países e metas no âmbito internacional, como limitação do crescimento populacional, controle da urbanização desordenada, preservação dos ecossistemas e implantação de um programa de desenvolvimento sustentável pela ONU, entre outros. Outras iniciativas surgiram como a Agenda 21, os Objetivos do Desenvolvimento do Milênio e Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.
Costa (2000) chamou a atenção para alguns limites à noção de desenvolvimento urbano sustentável. Uma primeira dificuldade apontada pela autora diz respeito à própria definição do conceito de “desenvolvimento urbano sustentável”, amplamente utilizado, pouco esclarecido e, consequentemente, desgastado. Apontou também um conflito teórico cuja reconciliação é delicada: i) o conflito entre as trajetórias de análise ambiental e de análise urbana, que só recentemente convergiram numa proposta de desenvolvimento sustentável, muitas vezes com objetivos distintos; ii) o conflito entre as formulações teóricas e as propostas de intervenção, traduzido em distanciamento entre análise social urbana e planejamento urbano, o qual aparece de maneira bem enfatizada na literatura estrangeira, como se fossem duas áreas de atuação profissional. Para Costa (2000) o conceito de desenvolvimento urbano sustentável tem sido adotado muitas vezes a partir de práticas do planejamento urbano sem um aprofundamento das questões teóricas que o embasam.
Um conflito mais explícito que durou até recentemente, foi a noção contraditória entre os conceitos de “urbano” e “ambiental”, apresentada de variadas maneiras, na mídia, nas formulações teóricas sobre sociedade e natureza, nas políticas públicas, nas práticas urbanas, nos movimentos sociais. A partir da percepção de que a cidade foi a forma que os seres humanos escolheram para se organizar e viver, surgiu a tentativa de uso da expressão “meio-ambiente urbano”, buscando sintetizar as dimensões físicas, naturais e construídas, do espaço urbano, com dimensões de ambiência, de convivência e de conflito associadas às práticas da vida urbana e à busca de melhores condições de vida. Entretanto, após o período de “contradição”, sucedeu uma atitude inversa, onde o discurso ambiental e o do planejamento e intervenção sobre o ambiente construído se misturam, como se sempre tivessem sido a mesma coisa, sem qualquer contradição conceitual ou entre o conceito e a prática (2000). O fato é que tanto a noção de urbano quanto a de ambiental vêm mudando ao longo do tempo, sendo hoje consideradas fundamentais para a mudança social.
A discussão sobre sustentabilidade e sua aplicação nos últimos 30 anos foi bastante difundida internacionalmente, tendo diversos termos e linhas de trabalho que tentaram agregar as abordagens urbana e ambiental – Urbanismo Sustentável, Urbanismo Ecológico, Ecologia Urbana.
Para a avaliação da sustentabilidade urbana, diversos indicadores e ferramentas foram desenvolvidos, em diferentes países. Entretanto, as grandes diferenças sócio-territoriais entre os países mais industrializados e os países latinoamericanos é gritante, demandando a inserção de indicadores básicos que já foram superados naqueles países mas ainda fazem parte da nossa realidade, como os que avaliam a habitabilidade, por exemplo. Também nossa grande concentração de renda e de pobreza demandam especial atenção aos indicadores de desenvolvimento social. Isto posto, observa-se que, ainda que alguns indicadores sejam mais genéricos e aplicáveis a distintas realidades sociais e econômicas, existem especificidades regionais que demandam a formulação de indicadores específicos, cabendo estudos locais e adaptações. Destaca-se, neste contexto, a especial atenção que se deve ter para com a participação social e mecanismo de controle democrático e práticas de gestão participativa como essenciais para o desenvolvimento sustentável.
A Nova Agenda Urbana (NAU) foi aprovada na Conferência das Nações Unidas sobre Habitação e Desenvolvimento Urbano Sustentável (Habitat III), realizada em Quito, Equador, em 20 de outubro de 2016. Foi endossada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 23 de dezembro de 2016. A NAU é um guia para orientar os esforços de desenvolvimento das cidades para uma ampla gama de atores (estados, líderes urbanos e regionais, doadores, programas das Nações Unidas, academia, sociedade civil, entre outros) para os próximos 20 anos. A NAU procura promover cidades mais inclusivas, compactas e conectadas através do planejamento e desenho urbano, governança urbana e legislação, e a economia urbana. Propõe-se a criar um laço de reforço recíproco entre urbanização e desenvolvimento (ONU, 2017).
O Diretor Regional da ONU-Habitat no México apresentou a conferência “Rumo a uma implementação efetiva da nova agenda urbana na América Latina e no Caribe”, na qual defendeu a necessidade de políticas e processos de re-desenvolvimento, regeneração e revitalização das cidades latino-americanas – “É ideal que os países revisem suas políticas nacionais para integrar os critérios do urbanismo sustentável: cidades compactas, conectadas, integradas, inclusivas, seguras e resilientes”, citando os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.
No Brasil recentemente foi aprovada NBR ISO 37120:2017, é a primeira norma técnica brasileira referente à sustentabilidade em comunidades urbanas, que define e estabelece metodologias para um conjunto de 100 indicadores relacionados ao desenvolvimento sustentável, com o objetivo de orientar e medir o desempenho de serviços urbanos e qualidade de vida. Direciona-se a qualquer cidade, município ou entidade de governação local que se compromete a medir o seu desempenho de forma comparável e verificável, independentemente do seu tamanho, localização ou nível de desenvolvimento. Engloba indicadores de diferentes áreas, tais como: economia, educação, energia, ambiente, finanças, serviços de emergência, saúde, lazer, segurança, resíduos, transportes, telecomunicações, água, planejamento urbano, etc. e os resultados dos indicadores da ISO 37120 podem ser usados como ferramentas para a tomada de decisões informadas que permitam orientar as políticas de planejamento e gestão (ABNT, 2017).
Em artigo do ano 2000, Costa argumentava que a noção de desenvolvimento urbano sustentável trazia consigo conflitos “entre formulações teóricas e propostas de intervenção, traduzindo-se no distanciamento entre análise social/urbana crítica e planejamento urbano”. Em 2001 temos o Estatuto da Cidade, Lei 10.257/2001, que passou a nortear a formulação dos planos diretores urbanos e visava garantir sua efetividade e o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, estabelece “diretrizes gerais para que a política urbana alcance o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade”. A primeira é a “garantia do direito a cidades sustentáveis”, em outras palavras, “o direito de todos os habitantes de nossas cidades à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, não só para as gerações atuais, como também para as futuras” (BRASIL, 2001).

A efetivação do direito a cidades sustentáveis requer diversos esforços, governamentais, da sociedade civil, da iniciativa privada. A academia pode colaborar, especialmente através de pesquisa e extensão, levando a maior compreensão das dinâmicas urbanas e regionais, de forma a levantar desafios mas também de indicar possibilidades de enfrentamento aos problemas da sociedade.
O presente projeto de pesquisa está embasado em pesquisas anteriores que coordenamos no Grupo de Pesquisa em Reestruturação Urbana e Ambiental, bem como na atuação junto ao LPP-Laboratório de Planejamento e Projeto/UFES.

Data de início: 09/06/2020
Prazo (meses): 60

Participantes:

Papelordem decrescente Nome
Aluno Mestrado LUCAS FREITAS PESSIM
Aluno Mestrado DAYANNE DIWLYAN RAASCH DE OLIVEIRA
Aluno Mestrado GERLAN DA SILVA MENEGUSSE
Aluno Mestrado ADRIANO GIACOMIN GRAZZIOTTI
Coordenador DANIELLA DO AMARAL MELLO BONATTO
Acesso à informação
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